Olá! Tempos que não nos falamos. Confesso que senti falta, porém, esse ano, estamos com tudo! Vocês verão muitos posts interessantes aqui no blog. Espero passear por essas bandas sempre que possível.
Agora, sem delongas, vamos ao que interessa. Minha recomendação é sobre uma artista indie que ficou muito conhecida através de plataformas como o TikTok. Apesar de já conhece-la, é sempre um prazer falar sobre o trabalho dessa cantora que tanto admiro.

Mitski Miyawaki nasceu no Japão, no dia 27 de janeiro de 1990. Ela é nipo-americana, já que seu pai é americano e sua mãe japonesa, esse aspecto tão intrínseco de sua vida vai marcar toda sua produção artística. Por ser mestiça, Mitski carrega essa sensação de não pertencimento por todos os álbuns que passa. Ela é graduada em música e escreveu sua primeira canção aos 18 anos. Seus dois primeiros álbuns, Lush (2012) e Retired from Sad, New Career in Business (2013), foram projetos estudantis dela, que tinham como base o piano clássico. Uma de suas canções mais famosas, Francis Forever, foi utilizada em Hora de Aventura, sendo cantada pela Marceline. A artista possui uma vida bem privada, e recentemente, anunciou uma pausa de suas atividades musicais. Portanto, não teremos nada de novo feito por ela tão cedo. Em seus shows, ela costuma ter uma apresentação interpretativa, através da dança e gestos corporais, o que gerou certo desconforto em um show que ela abriu para o Harry Styles. O público (que deve ser diferente, pois são artistas com pegadas diferentes) de Harry não pareceu gostar muito da apresentação de Mitski. Mas, isso são águas passadas. Vamos para as canções!
Mitski inova e trás coisas novas em cada álbum. Mas eles são como uma espécie de quebra cabeça: cada peça diferente, forma uma imagem. Cada ritmo e abordagem diferente leva ao mesmo pensamento chave da música dela.

Abbey (Lush, 2012): Midsommar. Essa música não me lembra nada além de Midsommar, em especial a cena em que as moças choram com a Danny. A harmonia de vozes, que parece uma hipnotização, é uma espécie de canto seguro para o qual a voz principal se aconchega no final. Como se você estivesse preso num sonho, confundindo realidade com ilusão.
"To awake every night, crying, set me free
And I awake every night, crying, set me free"
Wife (Lush, 2012): Seu valor como esposa é provado apenas através de um filho? Tema antigo, talvez hoje em dia não seja mais assim. O piano, junto com a voz levemente arrastada da Mitski, dá um tom de triste desistência. Uma mulher que ama seu cônjuge, e aparentemente deixou de ser amada pelo simples fato de não dar continuidade ao nome do esposo. Perdida no desconforto de não ser útil. Para quem gosta de musical, Catarine de Aragorn tem um destino parecido com o da canção no musical Six. Recomendo muito.
"But if I am not yours, what am I?"
Happy (Puberty 2, 2016): Existe aquela velha frase, de que há males que vem para o bem. Assim que interpreto o título dessa canção: “Oh, felicidade que me abateu quando descobri a traição do meu marido, e a partir disso, me livrei dele!” Recomendo que as madames façam o mesmo se chegarem, infortunadamente, a esse tipo de situação.
O vídeo clipe marcando o sentimento de descaracterização que a personagem principal, uma mulher nipo-americana (assim como Mitski) sente ao se comparar com as amantes padronizadas do marido sociopata. O instrumental passa uma sensação de suspense, e a voz da Mitski ajuda muito nisso, porque parece que ela está cantando numa rádio dos anos 50, que você escuta enquanto faz o almoço e os carros passam acelerados lá fora.
"All the cookie wrappers and the empty cups of tea
Well I sighed and mumbled to myself: again, I have to clean
I sighed and mumbled to myself"
E como bom clipe de época, os versos acima mostram um traço comum do passado de -5 segundos atrás: mulheres que eram responsáveis por todos afazeres da casa.
Once More to See You (Puberty 2, 2016): Imagine a angústia de amar alguém, seja amizade ou relacionamento amoroso, e não poder expressar tal sentimento. Ter que ficar trancafiado numa caixinha, pela pessoa que você tem sentimentos! Cruel. E é sobre isso que Mitski trata aqui. Da vergonha, talvez misturada com muito medo pela reação do público geral, que o objeto amado sente de você. É uma canção que rasga o coração; um lamento agudo.
"Our every move
We do have reputations
Will you keep it secret?
Won't let them have it"
Há quem diga que o que é belo não precisa ser exibido. Mas, devemos concordar que seres humanos não são pássaros, para serem mantidos em cativeiro, ainda mais por uma pessoa especial. Certas coisas, em especial o amor, merecem a maior audiência possível. Afinal, o amor é um sentimento tão latente, que mesmo trancafiado com 7 chaves, acaba escapando, nem que seja um pouquinho.
I want you (Retired from Sad, New Career in Business, 2013):
"I want you
I hold one card
That I can't use
But I want you"
A música simplesmente começa assim, com um soco em sua cara. De todas as músicas da Mitski, essa aqui é a pior de todas. Pior no sentido de que ela anuncia uma catástrofe e eu entendo bem disso, é como se fosse escrita por mim. A coisa é tão… Que no vídeo clipe é apenas a Mitski cantando para uma moça que está fumando (que por acaso tem uma cara bem triste). Aí vai um palpite totalmente pessoal: as músicas da Mitski não falam apenas sobre amor ou relacionar-se seja lá de que maneira com os outros.Elas falam também da relação consigo mesmo, com os caminhos malucos internos que existem, com o vazio, a loucura e afins. De que como, às vezes e inevitavelmente, você se acostuma com a bagunça interior, com o sentimento melancólico-azedo da vida. Recomendo se você estiver na deprê.
Class of 2013 (Retired from Sad, New Career in Business, 2013): pov: você cresceu, saiu de casa e se deu mal por alguma razão e agora, quer voltar para casa da mãe. O sentimento de fracasso, de perda, da ânsia pelo colo da mãe, da desistência doída após uma derrota iminente. Um cenário comum. A guitarra dá toda mágica para a canção. Ela já abre dizendo “esse acorde é para os fracassados!”. Junto da voz cansada e chorosa da Mitski, ela é a maior parceira de alguém na casa dos 20 (experiência própria). Em algum ponto da vida, voltamos a ser crianças cheias de lágrimas no colo de algum adulto. A vida corre e nós nem vemos, rouba nossos sonhos e nos deixa ao léu.
"Mom, am I still young?
Can I dream for a few months more?"
Townie (Burry me at makeout creek, 2014): Podemos dizer que essa música é uma espécie de Puberty 1. Simplesmente descreve festa de adolescente, a necessidade (clássica da época) de se sentir pertencente, as bobagens que adolescentes cometem, e a rebeldia (ela não quer ser o que pai dela deseja, alô IC3PEAK).
"Though I don't know what I'm waiting for
I am not gonna be what my daddy wants me to be"
First Love / Late Spring (Burry me at makeout creek, 2014): Dano crítico, essa canção pode te levar aos lugares mais escuros da sua alma. Eu poderia fazer um texto que iria além da minha perspectiva musical (se é que posso chamar assim, está mais para perspectiva da letra), vomitando meus sentimentos mais íntimos. A música, arte no geral, tem esse efeito catarse. E essa canção da Mitski tem todo o poder de me desmontar. Gosto de dividir a música em duas partes: First Love para esses versos aqui, porque eles tem cara de primeira amor, mas também tem características de “acordei 3 da madrugada com crise existencial. sei que você me ama, mais ainda sim…”
"So please, hurry, leave me, I can't breathe
Please, don't say you love me
mune ga hachikire-sōde"
E Late Spring, a primavera tardia daqueles que não puderam, por alguma razão, desfrutar de sua infância e adolescência. Alguém ou algo os colocou no posto de adulto quando o único suprassumo dever de sua existência era apenas brincar e curtir. Você amadurece rápido, e todo mundo sabe o que acontece quando uma fruta amadurece: cai do pé, apodrece e morre. É interessante pensar nesses dois versinhos, visto que Mitski, uma nipo-americana, vive aquilo que nós meros brasileiros pobres (e aqui dou um alô para todo mundo que vive/nasceu em um país de terceiro mundo) estamos acostumados a ver: o amadurecimento rápido, especialmente por questões familiares que envolvem dinheiro. É um tópico interessante, discutido com frequência em obras norte-americanas, com aquelas frases “sou filho de imigrante, por isso sou maluco e lelê da cuca”. Dividam seus pesos, crianças. E não se cobrem demais. Nada de querer pular do parapeito.
"And I was so young when I behaved twenty-five
Yet now, I find I've grown into a tall child"
Nobody (Be the Cowboy, 2018): A mais famosa do tiktok, talvez esteja num top 3 músicas mais conhecidas da Mitski. Tudo caminha para “estou sozinha, não tenho ninguém”. Mas o final do vídeo clipe caminha para outra estrada. Nobody se torna You, e Mitski não é nada mais nada menos que só mais um programa de TV dirigido por ela mesma. A coisa mais doida são as mãos rasgando o quadro de um rosto sem olhos, nariz e boca, para revelar outra Mitski com cabeça de TV que se desfigura na frente da Mitski principal. Confuso, não?
"And I know no one will save me
I just need someone to kiss
Give me one good, honest kiss
And I'll be alright"
Apesar da letra que aponta abandono emocional, o instrumental da música é animado. A solidão aperta diferente quando você não sabe quem é. Além de não ter ninguém ao lado, sua presença também não existe. Ou pode ser o contrário: a solidão crônica pode tirar de você o senso de “ser”. É como se ela fosse encurralada em si mesma; o sentimento de solidão, independente dos convites que ela receba ou para onde ela corra, sempre estarão lá. De longe, uma das melhores da Mitski.
Why Didn’t Stop Me? (Be the Cowboy, 2018): Com cara de balada, essa canção é uma gracinha. Na verdade, ela passa essa atmosfera de estar correndo, buscando por algo que você perdeu. Imagine você, correndo de loja em loja, procurando por alguém importante, sem ao menos saber por onde começar ou se realmente está no lugar certo, apenas para manter uma lembrança ou pedir perdão. “Veja, eu estava esperando por sua redenção depois de eu ter dado o fora por alguns instantes. Sabe como é, né?”
"I know that I ended it, but
Why won't you chase after me?
You know me better than I do
So why didn't you stop me?"
Esses versos, na verdade a canção inteira, me faz lembrar de Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, especialmente da Clementine. Por mais que ela não diga algo assim para o Joe, no final ela diz “and I'll get bored with you and feel trapped, because that's what happens with me.”. Ela não assume, mas em algum momento percebe que fez alguma coisa por impulso. Nossa memória é falha, cria momentos e imagens falsas que nos fazem esquecer as razões pelas quais odiávamos tal pessoa. Tudo parece tão diferente da nossa perspectiva quando encaramos a realidade ou simplesmente damos um passo para trás. Assistam este filme, jamais se arrependerão. E se lembre, nada de apagar as pessoas da memória apenas porque elas são chatas.
Valentine, Texas (Laurel Hell, 2022): Com instrumental que no início parece uma canção de ninar e depois despenca em algo quase como um baile de época, Valentine, Texas é a canção mais melancólica desse álbum. Ela parece fazer uma ponte com a canção Texas Reznikoff, que começa também como uma lullaby inocente e termina com uma espécie de raiva guitarrística. Temos em Valentine, Texas alguém entrando nas trevas, escolhendo que vai ser
"Let's step carefully into the dark
Once we're in, I'll remember my way around
Who will I be tonight?
Who will I become tonight?"
Já em Texas Reznikoff, temos alguém que quer aproveitar o dia, que quer ser levada e ouvir o outro, diferente de Valentine, que quer mostrar o que aprendeu, reviver alguma de suas memórias.
"It's beautiful out today
I wish you could take me upstate
To the little place you would tell me about
When you'd sense that I'd want to escape"
E é legal comparar ambas, porque o instrumental da primeira é uma canção de ninar etérea. Até o vocal da Mitski parece de alguém que está num sonho, ou está dentro do sonho de alguém, prometendo mostrar uma versão que ninguém jamais viu do eu lírico. Um reencontro com alguém importante? Uma vingança? Amadurecimento? Eu voto pela última opção.
Working for the Knife (Laurel Hell, 2022): Essa música me lembra ciclos que não conseguimos quebrar. O vídeo oficial com a letra da música (pode ser delírio meu) aponta para isso. São imagens que aparecem num loop. Os três primeiros versos são muito expressivos: Você gostaria de fazer algo, mas está trabalhando para “faca”, e ela pode ser qualquer coisa. Um emprego com carga horária absurda que rouba sua alma, alguma coisa da qual você não consegue se desprender, como uma memória que te assombra por todos os lados. E sempre esperamos pelo depois, pelo amanhecer do sol, por alguém simplesmente nos ouvir "But nobody cared for the stories I had about" e acabamos no ciclo infinito da rejeição, seja ela do destino que nos colocou em péssimos lençóis, ou do jardim que construímos ao nosso redor, totalmente sem flores, apenas sobrevivendo com vespas. Você está preso, para sempre, na mesma rotina, com uma faca apontada para seu peito. Existe um lugar para o qual se possa correr? Um escape que não termine em outro ciclo? Infelizmente, a resposta não nos foi dada no fim da melodia.
"I cry at the start of every movie
I guess ‘cause I wish I was making things too
But I'm working for the knife"
The Baddy Man é a canção mais “fora de curva” quando se trata da Mitski. ela tem uma memória de Johnny Cash (o EP inteiro tem) na voz e nos instrumentos. O autor dos quadrinhos conta que a cantora o encantou magicamente com as composições. (This is Where We Fall - EP, 2021) possui 3 músicas, é uma trilha sonora para o quadrinho que possui o mesmo nome do EP. a história caminha sobre o tema da morte e pós-morte, com tons de ficção científica e questionamentos sobre os fundamentos do espírito humano. Em entrevista para a Rolling Stone, Mitski conta:
“Foi emocionante fazer uma trilha sonora para uma história em quadrinhos. Isso me permitiu trabalhar fora da minha forma usual de composição e tentar abordá-la como uma partitura, mas sem nenhuma das dicas que vêm com o trabalho ao lado de uma imagem em movimento, o que acabou sendo libertador e desafiador. Espero que o resultado final ajude a mergulhar você na história.”
Chegamos ao fim e espero que vocês tenham gostado dessa recomendação! Mitski é uma artista muito versátil, suas obras são comoventes e conversam com os sentimentos de quem a vê. É uma espécie de aconchego musical. Até a próxima!
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