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A professora do Ilê Aiyê

Foto do escritor: Jenny SouzaJenny Souza

Oi galera, tudo bem? Espero que sim! Como está sendo esse finalzinho de ano? Só na paz ou só no surto? Quarentena está se estendendo bastante… Mas enfim, estou aqui para mais uma recomendação musical. Espero que gostem.


 


Uma das funções da música é transmitir algo, seja uma história ou um sentimento (ou o combo das duas coisas). Nosso país, como bem sabemos, foi formado por três povos diferentes: os nativos indígenas, os portugueses colonizadores e os negros trazidos da África. A primeira capital do país, Salvador, é um berço da cultura negra do Brasil: desde alimentação até a religião ela é permeada por traços profundos e históricos dos negros que permaneceram por lá. Alguns cantores e grupos cantam sobre essa história, mantendo a memória viva e levando conhecimento para quem desconhece a trajetória de um povo formador da cultura baiana e do país.

Eu escolhi uma das melhores representantes desse cenário: Margareth Menezes, a professora do Ilê Aiyê.





Maga é cantora, compositora e ex-atriz, nasceu em Boa Viagem, Salvador e é filha de Dona Diva (doceira e costureira) e Adélio Soares da Purificação (motorista) já falecido. Ela ganhou 2 troféus Caymmi, 2 troféus Imprensa, 4 troféus Dodô e Osmar, e foi indicada para o Grammy Awards e Grammy Latino. A baiana é dona de 21 turnês musicais e o jornal Los Angeles Time a considera como a “Aretha Franklin brasileira”, e eu assino embaixo.

Quando pequena ela já cantava no coral da igreja, e iniciou sua carreira no teatro em 1980, e paralelamente ela se apresentava aos poucos em bares pela cidade. A cantora participou da peça “Um menino Maluquinho”, de Ziraldo, trabalhando com o som e gerenciando a técnica vocal. Em meados de 86 (depois de muitos trabalhos no teatro) ela foi convidada para representar o Brasil ao lado de Pepe Gomes no “VIII Festival de Música do Caribe”, que aconteceu na Colômbia. Em 87 ela gravou seu primeiro single, com ajuda de Djalma de Oliveira. “Faraó (Divindade do Egito)” vendeu mais de 100 mil cópias. A junção da percussão com a voz de Menezes é algo divinal. É uma aula sobre história do Egito.




“Deuses

Divindade infinita do universo

Predominante

Esquema mitológico

A ênfase do espírito original

Shu

Formará

No Éden um ovo cósmico…”


Em novembro de 1988, sai o primeiro álbum da cantora, “Elegibô”. Foi o primeiro álbum, que rendeu dois troféus Imprensa: “melhor disco” e “melhor cantora”. Fez uma turnê pelo Brasil e Argentina. Em 1990, o álbum ficou no topo da Billboard Awards Albums, nos EUA, durante onze semanas. Entre 88 e 91, Margareth fez sucesso internacional, chegando a se apresentar nos EUA, França, Itália, URSS (atual Rússia, e sim, eu também estou surpresa), Finlândia… A faixa que leva o nome do álbum conta a história de uma lenda yorubá.

Para você, que é curioso e quer saber como é a lenda, vou deixar aqui um texto sobre ela:

“Òsógìyan (Oxoguian) na mitologia yorubá é um jovem guerreiro, seria filho de Oxalufan, identificado no jogo do merindilogun pelo odu ejionile e representado materialmente e imaterial pelo candomblé, através do assentamento sagrado denominado igba oxaguian. Seu templo principal é em Ejigbo, estado de Ọsun, onde ostenta o título de Eléèjìgbó, ou Rei de Èjìgbo.

Em Lendas Africanas dos Orixás, Pierre Fatumbi Verger conta uma das lendas que Oxoguian teria nascido em Ifé, bem antes de seu pai tornar-se o rei de Ifan. Oxoguian, valente guerreiro, desejou, por sua vez, conquistar um reino. Partiu, acompanhado de seu amigo Awoledjê. Oxoguian não tinha ainda este nome. Chegou num lugar chamado Ejigbô e aí tornou-se Elejigbô (Rei de Ejigbô). Oxoguian tinha uma grande paixão por inhame pilado, comida que os iorubás chamam iyan. Elejigbô comia deste iyan a todo momento; comia de manhã, ao meio-dia e depois da sesta; comia no jantar e até mesmo durante a noite, se sentisse vazio seu estômago! Ele recusava qualquer outra comida, era sempre iyan que devia ser-lhe servido.

Chegou ao ponto de inventar o pilão para que fosse preparado seu prato predileto. Impressionados pela sua mania, os outros orixás deram-lhe um codnome: Oxoguian, que significa "Orixá-comedor-de-inhame-pilado", e assim passou a ser chamado.

Awoledjê, seu companheiro, era babalawo, um grande adivinho, que o aconselhava no que devia ou não fazer. Certa ocasião, Awoledjê aconselhou a Oxoguiã oferecer: dois ratos de tamanho médio; dois peixes, que nadassem majestosamente; duas galinhas, cujo fígado fosse bem grande; duas cabras, cujo leite fosse abundante; duas cestas de caramujos e muitos panos brancos. Disse-lhe, ainda, que se ele seguisse seus conselhos, Ejigbô, que era então um pequeno vilarejo dentro da floresta, tornar-se-ia, muito em breve, uma cidade grande e poderosa e povoada de muitos habitantes.

Depois disso, Awoledjê partiu em viagem a outros lugares. Ejigbô tornou-se uma grande cidade, como previra Awoledjê. Ela era rodeada de muralhas com fossos profundos, as portas fortificadas e guardas armados vigiavam suas entradas e saídas.

Havia um grande mercado, em frente ao palácio, que atraía, de muito longe, compradores e vendedores de mercadorias e escravos. Elejigbô vivia com pompa entre suas mulheres e servidores. Músicos cantavam seus louvores. Quando falava-se dele, não se usava seu nome jamais, pois seria falta de respeito. Era a expressão Kabiyesi, isto é, Sua Majestade, que deveria ser empregada.

Ao cabo de alguns anos, Awoledjê voltou. Ele desconhecia, ainda, o novo esplendor de seu amigo. Chegando diante dos guardas, na entrada do palácio, Awoledjê pediu, familiarmente, notícias do "Comedor-de-inhame-pilado". Chocados pela insolência do forasteiro, os guardas gritaram: "Que ultraje falar desta maneira de Kabiyesi! Que impertinência! Que falta de respeito!" E caíram sobre ele dando-lhe pauladas e cruelmente jogaram-no na cadeia.

Awoledjê, mortificado pelos maus tratos, decidiu vingar-se, utilizando sua magia. Durante sete anos a chuva não caiu sobre Ejigbô, as mulheres não tiveram mais filhos e os cavalos do rei não tinham pasto. Elejigbô, desesperado, consultou um babalaô para remediar esta triste situação. "Kabiyesi, toda esta infelicidade é consequência da injusta prisão de um dos meus confrades! É preciso soltá-lo, Kabiyesi! É preciso obter o seu perdão!"

Awoledjê foi solto e, cheio de ressentimento, foi-se esconder no fundo da mata. Elejigbô, apesar de rei tão importante, teve que suplicar-lhe que esquecesse os maus tratos sofridos e o perdoasse.

"Muito bem! - respondeu-lhe. Eu permito que a chuva caia de novo, Oxoguian, mas tem uma condição: Cada ano, por ocasião de sua festa, será necessário que você envie muita gente à floresta, cortar trezentos Àtòri. Os habitantes de Ejigbô, divididos em dois campos, deverão golpear-se, uns aos outros, até que estas varetas estejam gastas ou quebrem-se".

Desde então, todos os anos, no fim da seca, os habitantes de dois bairros de Ejigbô, aqueles de Ixalê Oxolô e aqueles de Okê Mapô, batem-se todo um dia, em sinal de contrição e na esperança de verem, novamente, a chuva cair.

A lembrança deste costume conservou-se através dos tempos e permanece viva, também, na Bahia.

Por ocasião das cerimônias em louvor a Oxoguian, as pessoas batem-se umas nas outras, com leves golpes de vareta... e recebem, em seguida, uma porção de inhame pilado, enquanto Oxoguian vem dançar com energia, trazendo uma mão de pilão, símbolo das preferências gastronômicas do Orixá "Comedor-de-inhame-pilado."

Outra música do álbum é “Tenda do amor (Magia)”. Sendo a segunda faixa, a letra é uma afirmação de quem a cantora é.





“Moro na cidade azul

Bem pra cá do equador

Sou guerreira, eu sou caribe

Eu sou magia”


O segundo álbum leva o nome de uma das faixas mais conhecidas: “Ifá (Um canto pra subir)”. Foi lançado em 1990, e rendeu uma turnê pelos EUA, ao lado de David Byrne, líder do Talking Heads, que a convidou para fazer a abertura de sua turnê.

A palavra Ifá pode ter inúmeros significados diferentes, mas nessa canção, ela faz referência a um sistema de adivinhação que não é o único na África, mas é considerado o mais completo e confiável.





“É fé, é só jogar

Jogo do Ifá

É ijexá, Xangô

Canto pra subir

Pra casa do Senhor

Senhor do Bonfim

É rumpilé e agogô…”


Abaixo, a canção “Office Cowboy”, interpretada por Margareth e David, onde cada um canta em sua língua.





“I can see an office cowboy

Now how he turns and smiles,

Watching the girls go by

(Ride 'em cowboy)

He knows how to ride a pony

If laughter makes you well,

What if the well runs dry?

(Ride 'em cowboy)”



Kindala”, que em yorubá significa “lábios grandes” é o terceiro álbum de Menezes, e foi lançado em 1991. Ela levou o álbum em turnê pelos EUA, Japão e Europa. O álbum tem a canção “Me abraça e me beija” composta por Jimmy Cliff, Lazzo e Gileno Felix, que tem uma pegada de reggae e axé. A música mais conhecida do álbum é “Fé cega, faca amolada”, composta por Milton Nascimento.




“Me abraça e me beija...

Vem, vem

Vem provar do meu encanto

Vem dizer que eu não fui tanto

Onda do mar me levou

Me levou, mas hoje estou aqui com você

Onda do mar me levou

Mas eu resisti”




"O brilho cego de paixão e fé

Faca amolada

Deixar a sua luz brilhar e ser

Muito tranquilo

Deixar o seu amor crescer e ser

Muito tranquilo

Brilhar, brilhar, acontecer, brilhar

Faca amolada"


Em janeiro de 1993, o quarto álbum da carreira de Margareth Menezes foi lançado, após sua caminhada por turnês sozinha e ao lado de David Byrne. Assim como o anterior, “Luz Dourada” teve lançamento mundial. “Gente de Festa”, o álbum lançado em 1995, contou com a participação de Maria Bethânia e Caetano Veloso. Depois desse álbum, a cantora ficou um tempo sem lançar novas canções, se dedicando a projetos. Todos os anos a cantora era (e é) sucesso no carnaval baiano com seu próprio trio, e participando de blocos como o “Bloco da Cidade”, feito para homenagear Jorge Amado. Ela se apresentou no “Bahia com H”, recebendo diversos artistas nacionais e internacionais, como Jimmy Page. Ao lado de cantores como Gal Costa, Araketu e outros, ela lança a coletânea “Tropicália - 30 anos”, e em 2000 ela canta pela primeira vez ao lado de Daniela Mercury e Ivete Sangalo no “Festival Percussivo Perc Pan”.




“O grito da terra se expande por todo o universo

No verso da mão calejada que afaga o rebento

O amor relampeja quebrando a semente da guerra

Sagrada é a força da Terra brilhando num só pensamento

Olorum mandou botar

Um presente pra Iemanjá

Colocar no mar do amor

Pra saudar seu ganzuá”




"Tú és o mais belo,dos belos

Até meu coração te dei

Brilho, é pérola negra

Ilê Ayê te encontrei

Veja que lindo

O mais belo traz prazer

Escute esse

É o mais puro Ilê Ayê"


Em 2001 ela lança seu próprio selo chamado “Estrela do Mar Records”, fechando parceria de divulgação com a Universal Music. Em dezembro, com Carlinhos Brown na produção, ela lança o “Afropopbrasileiro”, com sucesso Dandalunda, composto por Brown e considerada a melhor música do carnaval de 2002. O álbum conta com a participação de Lenine e Zeca Baleiro (composições).


"Dandalunda, paira na beira

Dandalunda, da cachoeira

Dandalunda, paz e água fresca

Dandalunda, doura dendê

Coquê..."



“Tete a Tete Margareth” foi o primeiro álbum ao vivo de Menezes, sendo lançado em 2003 e gravado no Teatro Castro de Alves, em Salvador, tendo entre os convidados Carlinhos Brown e a banda Cidade Negra.


"Com o balanço do mar eu vim Com o balanço do mar eu vou E a enquisse que vovó me ensinou Eu vou cantar que é pra chamar o meu amor Chego lá, chego lá

Toté Toté de Maiangá Maiangôlê"




Foi o lançamento do “Ao Vivo no Festival de Verão” em 2004, com a participação da escola de samba da Mangueira e Alcione, que lhe rendeu o título de “Aretha Franklin brasileira”.



Em 2005 a cantora surpreende lançando o álbum "Pra Você", que tem uma pegada totalmente diferente daquilo que Margareth costumava fazer. Aqui a aposta foi mais para os caminhos do MPB e pop. Ivete Sangalo teve participação.



Em 2006, Maga grava o DVD "Brasileira ao vivo: uma homenagem ao samba-reggae" , no Teatro Castro Alves, contando com a participação de Mateus Aleluia, Carlinhos Brown e Saul Barbosa. Ela fez releituras de seus grandes sucessos.




"Aganjú, alujá, muito axé

Canta um povo de origem nagô

O seu corpo não fica mais inerte

Que o afro olodum já pintou lê lê ô"




"Naturalmente" foi lançado em setembro de 2008 no Brasil, outubro de 2008 no Japão e em junho de 2009 na Europa e EUA. Foi um álbum que, apesar das boas críticas, deixa o axé de lado e mergulha no MPB. O álbum tem composições de Gilberto Gil, Zeca Baleiro e Chico César. A canção "Gente" é bem interessante, e surgiu da parceria com Marisa Monte, Pepeu Gomes e Arnaldo Antunes.




Em comemoração aos 25 anos de carreira, Margareth gravou o DVD "Voz Talismã", que reuniu grandes sucessos da cantora. Fica difícil escolher uma canção desse DVD, mas uma em especial é bem deliciosa.


"A palavra acará está ligada ao Agerê

Cerimônia africana segundo Pierre Bergé

É uma prova de fogo onde o iniciado novo

Testa a verdade que crê

Agerê é cerimônia onde Changô e Oiá

Comem mechas de algodão chamadas de acará

De acordo com esse jogo acará é o

Próprio fogo que se faz representá

Acará significa bolinho de feijão frito

No azeite de dendê, “jê” é o verbo comer

Acarajé significa comer fogo é um mito

Acarajé veio pra rua garantir a obrigação

Dinheiro pra Iaô que fazia devoção

Hoje ele é vendido como prato preferido

De toda a população

Acarajé iguaria nome de origem Nagô

Todo mundo aprecia o inigualável sabor

Na Bahia do axé inegavelmente

É o capitão de Salvador e uma nega baiana

Iniciando com fé encomendando a guia

Iansã é a mulher retrato mor da Bahia

Acará acarajé"




Seu álbum mais recente é "Autêntica", lançado em 2019, também numa pegada "mais leve", mas sem perder a beleza.


"Eu nunca quis bancar o esperto

Só pra você saber

Meu coração está aberto

Havia, Ave Maria

Aquela foto na certeira só lembrava você.."




Margareth Menezes é uma grande artista brasileira, uma das rainhas e referência na música afrobrasileira. Além do mundo musical, ela também marca presença em projetos sociais na área de arte, educação e cultura. Espero que vocês tenham gostado dessa recomendação. Um abraço, feliz natal antecipado e até mais!


Jennifer.

EU B"E

 
 
 

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